Carta 8: Obrigada, mas não preciso da tua ajuda!

 20 de Junho de 2020

Querido Cossa,

Se calhar esta afirmação parecerá prepotente da minha parte, mas, não é – não preciso da tua ajuda para cuidar das nossas crianças e da nossa casa! Não digo isto porque ache que sou capaz de fazer tudo sozinha ou porque ache que não és capaz de realizar bem essas tarefas, mas sim pelo significado da palavra ajuda e, especialmente no contexto de gestão das tarefas domésticas. 

Ajudar significa auxiliar, socorrer, fazer um favor, prestar assistência. A pessoa que ajuda não é responsável pelo acto, ela auxilia a pessoa que sim é responsável. A pessoa a quem se pede ajuda pode recusar-se a prestar essa assistência ou pode optar por ajudar com limites. E, se o resultado da acção não for satisfatório, raramente a pessoa que ajuda é responsabilizada por isso. 

O mesmo ocorre no que concerne o cuidado das crianças e da casa, a pessoa que ajuda, não é considerada responsável por essa tarefa, a responsável é a pessoa que recebe a ajuda. Num casal, especialmente tendo crianças, quem é que ajuda a quem? A responsabilidade não deveria de ser dos dois ou das duas? Ou partilham o prestígio quando os resultados são satisfatórias, mas a responsabilidade fica só com uma das partes quando os resultados não são satisfatórios? 

Se eu tivesse decidido ser mãe sozinha, aí faria sentido que eu aceitasse ou te pedisse ajuda para realizar as tarefas domésticas. Mas esse não é o caso, nós decidimos junt@s iniciar este projecto de família, e por isso é responsabilidade de amb@s garantir o bem estar de toda a família.

Portanto, recuso sim a tua ajuda no que diz respeito às responsabilidades reprodutivas, as tarefas domésticas. O que eu espero e exijo de ti é co-responsabilidade. Isto significa que temos o mesmo grau de responsabilidade nos cuidados das nossas crianças e da nossa casa. Ninguém está a ajudar a ninguém, mas sim a fazer a sua parte do compromisso assumido por amb@s. 

Cossa, é importante que percebas a diferença entre ajuda e co-responsabilidade no contexto da nossa vida conjunta e, que analises o teu comportamento e as expectativas que tens de mim como parceira e como mãe das nossas crianças. Isto, para não correres o risco de te comportares mais como um ajudante do que como co-responsável. A pessoa co-responsável não fica a espera que lhe lembrem que tem que realizar uma determinada tarefa. Ela apenas faz o que tem que fazer no momento certo. 

Por favor querido, não me interpretes mal, não estou a dizer que não fazes nada na nossa divisão das responsabilidades reprodutivas. Mas é diferente realizar certas actividades porque achas que te sentes co-responsável por elas ou porque sentes que me estás a ajudar. Essa atitude de ajudante não se manifesta só no uso da expressão “estou a ajudar-te”, ao realizar uma tarefa que deveria ser da responsabilidade das pessoas adultas da casa, mas também nas atitudes.

Por exemplo: 

  • Quando está na hora das crianças dormirem, e é teu dia de lhes fazer dormir mas só o fazes se eu te lembrar, significa que não te sentes co-responsável por essa tarefa. 
  • Quando antes de ires dormir, só verificas se as crianças estão cobertas e se as fraldas não estão cheias, quando eu te lembro, estás na categoria de ajudante.
  • Se uma das crianças tem ranho na cara e em vez de lhe limpar ou lavar, anuncias (não sei para quem) que o rosto da criança está sujo, então não te estás a comportar como co-responsável pela higiene dessa criança. 
  • Quando mudas alguma rotina familiar, sem me consultar e sem ter em conta como isso vai afectar o meu trabalho, tão pouco estás a ser co-responsável pela criação das condições que me permitem contribuir economicamente para a família.
  • Quando algum compartimento da casa está sujo e não tens iniciativa de limpar ou de sugerir alguma distribuição para partilharmos essa tarefa, e ficas a espera da minha iniciativa ou para limpar ou para te lembrar de limpar, estás a ser ajudante.
  • Quando nunca te lembras de dar banho às crianças, só o fazes quando eu te oriento, significa que não te sentes co-responsável por essa responsabilidade.
  • Quando vais passear durante algumas horas com as crianças e voltas para casa e te comportas como se já tivesses feito a tua parte do dia no que concerne os cuidados das crianças, também estás a comportar-te como ajudante.

E essa ajuda, eu não quero. Por isso meu querido, gostaria de te convidar a fazer uma reflexão profunda sobre o teu comportamento padrão, não o comportamento de, de vez em quando, para que passes o mais rápido possível para a categoria de co-responsável à tempo completo pelo bem estar de todos os membros da nossa família. 

A co-responsabilidade entre o casal também é uma questão de justiça, de amor e de fazer as coisas de forma a facilitar a vida do/a parceiro/a.

Com amor,

Eu

As ferias do corona virus

Tenho a impressão que este ano, 2020, será um ano muito interessante. Estamos ainda em Maio e já vivemos experiências tao intensas, tao novas, tao assustadoras, tao desafiantes. O virus corona ou corona virus mudou (e não sabemos por quanto tempo) a nossa maneira de relacionar-nos entre nós, a nossa forma de estar em público – ao se nos exigir que pratiquemos o distanciamento social e o uso constante de mascaras. Mas as situações nas quais nos encontramos por causa do surgimento deste virus, parece que também veio reforçar algumas injustiças sustentadas pelo patriarcado.

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Eleições, bem estar e sexo

No dia 15 de Outubro de 2019 se realizarão as 6ªs eleições gerais de Moçambique. Nessas eleições se escolherá o presidente do país e a composição do parlamento. Por tanto, o nosso bem estar presente e futuro depende também dos resultados das eleições. E, por esse motivo acredito que deveríamos votar naquele partido e candidato presidencial com maior potencial de melhorar a qualidade da nossa vida sexual.

Somos seres sexuais e nesse sentido a qualidade da vida sexual tem um impacto brutal noutras áreas da nossa vida. Como por exemplo, na qualidade do descanso, na inspiração e criatividade, na saúde da pele, no humor, no exercício físico, no bem estar emocional, etc. A percepção de qualidade da vida sexual é relativa, porém penso que alguns elementos são centrais:

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Carta 7: O sexo sempre começa fora da cama

15 de Setembro de 2019

Querido Cossa,

Ultimamente tens reclamado indirectamente da minha pouca disponibilidade para fazermos amor. E tens razão, nos últimos tempos não tenho tido vontade nem energia de fazer sexo contigo – o que não significa que não o faça comigo mesma.

Como tu sabes, para mim o sexo não acontece automaticamente. Raramente fico pronta num estalar dos dedos. Preciso e gosto de aquecimento. Falo das sugestões explícitas como as massagens, as carícias em determinadas partes do meu corpo, os beijinhos no pescoço, etc. Mas também das manifestações aleatórias de carinho, os momentos de cuidado mútuo e de auto-apreciação, e a ausência de crítica desnecessária.

Tu sabes que sem um ou vários destes elementos eu simplesmente não acendo. E, sabes também que a manutenção de qualquer relacionamento depende de as partes envolvidas prestarem mais atenção ao que gostam do que ao que não gostam uma na outra. A crítica construtiva, relacionada com coisas reais que dificultam o relacionamento e que podem ser melhoradas, são necessárias e bem vindas. Mas aquela crítica que responde ao estado de animo de quem critica, que só vê o que a outra pessoa faz de errado, só mina o relacionamento.

Por outro lado, quando não fazes a tua parte do compromisso que ambos assumimos nos cuidados das nossas crianças e da nossa casa, eu fico especialmente cansada e distante de ti. Me canso mais e mais facilmente não só porque acabo fazendo trabalhos que deveriam ser divididos por duas pessoas adultas; mas também porque é cansativo estar sempre alerta, roubar momentos para os rituais que me permitem estar emocionalmente bem para mim mesma e para ser o apoio que gostaria de ser para as nossas crianças, e é mais cansativo ainda estar a renegociar contigo, uma e outra vez, coisas que já concordamos.

Cada vez que sais do eixo do nosso compromisso com relação às tarefas reprodutivas e, quando tens uma semana daquelas, em que aprecias poucas coisas em mim e vês e falas mais do que eu faço mal – de onde é que achas que há-de vir a minha tesão, a vontade de fazer amor? Como é que hão-de acordar os sentidos que me permitirão desfrutar de tocar-nos, lamber-nos, beijar-nos? Até onde estou consciente, eu não sou uma máquina com um botão de ON e OFF que se pode ligar quando tu tens vontade de fazer sexo.

Portanto:
– Se queres me fazer uma crítica construtiva, de algo que achas que posso melhorar e que vai levar o nosso relacionamento à um nível superior, então por favor não te retraias.
– Ou, se queres renegociar a nossa distribuição das tarefas e responsabilidades porque achas que ela não é justa ou porque surgiram novas necessidades, adiante.

Mas:
– Se queres me criticar à toa porque estás a ter uma má semana e precisas descarregar em alguém,
– Ou não fazes o que tens que fazer por preguiça, machismo ou simplesmente negligencia,

Então fica preparado para receber o que dás e depois não dá abraços de tesão quando estás mais relaxado.

Cada coisa no seu momento. Se for tempo de estar em mode critica desnecessária ou preguiça ou cago-me em tudo, então entremos nesse mode, assumindo todas as possíveis consequências. E quando quisermos estar em mode façamos abundante amor, então vamos ambos fazer o necessário para estarmos nessa vibração.

Com amor,
Eu