Uma das recomendações que recebi na minha primeira gravidez e, que me foi muito útil, foi a de hidratar e massajar a barriga e mamas com óleos vegetais para ajudar a pele a manter-se elástica e saudável no processo de esticar-se durante a gravidez.
Hidratar a pele é bom por vários motivos. Entre eles, produz uma sensação agradável ao não sentirmos a pele a esticar-se, nutrimos vários níveis de tecidos da nossa pele, alimenta a pele e, evita o surgimento de estrias. Não é que eu ache que as estrias sejam más, mas fui socializada com padrões de beleza sem lugar para elas. Evitar o surgimento das estrias é um dos motivos que me fez ser disciplinada na hidratação da minha pele durante as minhas gravidezes.
Hidratar a minha barriga em particular era muito prazenteiro para mim. Sempre que possível, eu dedicava uns bons minutos à essa actividade em frente ao espelho. Me permitia acompanhar o crescimento da barriga e deleitar-me com essa magia natural de carregar outro ser humano dentro do meu corpo. Nesse momento eu também enviava mensagens para as minhas bebés, afirmando coisas que gostaria que el@s fossem – felizes, livres, just@s, corajos@s, curios@s, amoros@s, suficiente, etc. Era, definitivamente, um momento de conexão com @s minhas bebés. Por outro lado, a hidratação à barriga resultou ser uma boa (mas não única) oportunidade para o meu namorado conectar-se com a minha primeira bebé. Ele me fazia massagens à barriga, e as vezes fazia as suas reflexões sobre a experiência e expectativas e outras vezes, conversávamos sobre as nossas diferentes experiências da gravidez e de como gostaríamos de criar a criatura que estava a caminho.
Estrias malandras
Entre as duas gravidezes, usei vários óleos, de:
- Coco,
- Amêndoas,
- Abacate,
- Trigo
- Argan
- Ríssino
- Manteiga de carité (shea butter)
E no geral, todos funcionaram fantasticamente, permitiram que a minha pele se esticasse e voltasse ao seu tamanho original, sem muito esforço, sem deixar as marcas do esticar da pele. Mas, num belo dia, dei-me conta que, justo por cima da minha anca direita, haviam surgido três estrias. E pensei, hum! Como assim, depois de todo o tempo que dediquei a hidratar essa parte do corpo? Depois fiquei a saber de algumas conhecidas, que elas tinham tido experiências parecidas, em algum lugar uma estria tinha conseguido driblar a hidratação e acabando por ficar marcada na pele.
Isto me fez pensar nos desafios que as vezes enfrentamos em nos mantermos fieis aos nossos valores, no processo de educar e criar outro ser humano. Ambos o meu namorado e eu somos feministas e gostaríamos de educar a nossa filha e filho com base nos princípios desta ideologia. E, antes da nossa filha nascer tivemos muitas conversas sobre o que isso significa. Quando ela nasceu e com a dinâmica dos cuidados dela e da nossa convivência, continuamos com a conversa e reflexão sobre o que a nossa escolha significava.
As nossas decisões incluíam escolhas como
- Esteticamente apresentar as nossas crianças não como a típica menina ou menino. Isto significava, roupas de todas as cores para ambos e sobretudo evitar o rosa para a menina e o azul para o menino; não furar as orelhas da menina (até que fosse escolha dela); não entrançar a menina nem fazer os totozinhos (até o momento que ela pedisse); nos brinquedos, carrinhos, bonecas, fogões, bolas para amb@s, etc.
- Ao dar a mensagem de algo que gostaríamos que fizessem ou fossem, nunca dizer que uma menina ou menino deve ser assim ou assado. Explicar o motivo do limite que estamos a pôr com base no que acreditamos que deve ser um ser humano. Por exemplo nunca dizer, ‘as meninas não se sentam de tal forma’ ou ‘os meninos não choram’.
- No geral evitar linguagem, mensagens, maneira de estar que criem e reforcem estereótipos do que meninas e meninos devem ser.
Mesmo assim, as vezes nos vemos a fazer coisas que estariam a estereotipar as crianças ou que indicam que nós mesm@s ainda temos alguns estereótipos de género e, que podemos inconscientemente passar para as nossas crianças ui ui ui. A isso me refiro com a estria que se escapa.
Por exemplo
Um dia entramos numa loja a procura de um livro novo para a minha filha. Eu gostei das mensagens de um livro que estava apresentado na forma de um carro e os personagens eram também carros (a historia era sobre fazer coisas em equipa e solidariedade). O meu namorado pegou no livro e disse “este livro não, este tipo de livros é para rapazes!”. Este comentário só podia ser seguido de um grito…HAAAAA! Esse comentário levou-nos a uma conversa ‘aquecida’ sobre o que isso significava, e ainda por cima, não levamos o livro. E, tivemos que conversar sobre um estereotipo que pensávamos que já não tínhamos, a de que há brinquedos específicos para meninas e outros para meninos.
Num outro dia, fomos a um festival cultural e estavam lá muitas famílias com crianças. A maioria das meninas negras e mestiças tinham tranças ou totós. E, por alguns instantes, pensei que deveria fazer algo com o cabelo da minha filha, até me perguntei onde poderia comprar elásticos para o cabelo. Outro grito…HAAAAA! Felizmente não comprei os elásticos nem fiz nada ao cabelo da minha filha, mas, isto me fez reflectir sobre o quão este estereotipo ainda estava vivo em mim. De certa forma, era como se eu quisesse que a minha filha, que estava totalmente alheia à essa estética, encaixasse dentro do que se espera do cabelo das meninas. Cabelo ‘organizado’, seja lá o que isso significar.
Outro exemplo de estrias que se escapam, há 4 meses nasceu o meu filhote lindo. A maior parte da roupa dele foi herdada da irmã. Tem algumas coisas doadas por uma amiga, a tia Cesy, e alguns bodies de manga curta porque a irmã nasceu no inverno e a roupa dela era muito quente para ele. Ele veste praticamente tudo o que herdou, inclusive alguns vestidinhos, mas uma das vezes ao arrumar a gaveta das roupas dos primeiros três meses, encontrei-me a perguntar-me se realmente lhe vestiria algumas das peças, porque se calhar algumas coisas eram muito ‘de menina’. O que isso significa mesmo? A quem importa o que ele veste, ele não deixa de ser menino por exemplo, por vestir um vestido, ou por usar uma camiseta com motivos da hello kitie. Eu estava novamente, a manifestar estereótipos que pensava que já não os tinha.
Penso que tod@s temos incoerências, mas acho que quanto mais cedo podermos estar conscientes delas e superá-las (se for isso o que queremos), melhor. Porquê? Por vários motivos. Mas, neste caso, que se trata de educar outros seres humanos, penso que não lhes fazemos nenhum favor se tivermos discrepâncias fortes entre o que dizemos e o que fazemos. Por outro lado, penso que tão pouco lhes fazemos nenhum favor contribuindo para que cresçam dentro de ‘caixas’ que definem de forma limitada o que devem e podem ser por terem nascido com vagina ou com pénis.
O que fazer?
Eu acho que o descobrimento das ‘estrias escapadas’ não terá fim porque temos muitas camadas de ideias limitadoras sobre o que significa ser mulher e o que significa ser homem. Desafiar essas percepções que nos foram passadas desde muito cedo nas nossas vidas não é fácil. Mas acho que vale a pena raspar cada vez mais as camadas das estrias, se desejamos que as nossas crianças sejam livres de viver a vida da sua escolha e, de serem quem elas e eles escolhem ser. Aí precisamos enfrentar as nossas ‘estrias’, os nossos próprios estereótipos para podemos guiar-lhes na procura dos seus caminhos sem medo a serem julgados por as vezes escolherem coisas diferentes da maioria.
- O primeiro passo para isso, é estar abert@ para deixar as estrias se escaparem ou se manifestarem, para uma questão de coerência com as nossas decisões.
- Depois de ganhares consciência delas, e se as quiseres mudar, podes fazer-te perguntas para saberes o que fazer a respeito. As respostas não vêem no mesmo dia, mas se continuares a fazer a pergunta elas virão. Por exemplo, eu as vezes me faço as seguintes perguntas:
Como posso fazer diferente para…
O que posso fazer para ajudar a minha filha e o meu filho a gerirem melhor as suas emoções?
O que posso fazer para estar calma e serena mesmo quando não sei o que fazer?
Como posso ser mais justa com a minha filha e com o meu filho?
Como posso fazer para ajudar as minhas crianças a se sentirem suficientes, sem precisarem de aprovação exterior?
O que posso fazer para educar as minhas crianças com valores feministas?
3. Confia na tua intuição e sensibilidade e quando as respostas chegarem a ti, age, muda onde tiveres que mudar. O caminho é para frente!