Ele é o pai ou tio da criança?

Alguém já testemunhou um daqueles relacionamentos entre um pai e uma filha/o em que parece que acabam de se conhecer? Há pouco tempo convivi com um casal de amigos que tem uma criança. São ambos amorosos um com o outro mas estranhamente, a criança tratava o pai como se fosse um tio que estivesse de visita. Por exemplo, o pai praticamente tinha que babar a criança para ter a atenção dela, para lhe ter ao colo tinha que ser a força. O pai conseguia um pouco de atenção quando a mãe não estivesse presente.

Ao observar os meus amigos e a sua interação familiar surgiram-me várias perguntas relacionadas com, se e como fazemos para envolver mais os nossos parceiros nos cuidados das crianças. Conversando com a minha amiga sobre o assunto, percebi que uma limitação que a família dela tem é que ela acha que há coisas que ela faz melhor e que o marido dela não saberá fazer por ser homem. E o meu amigo, acha que a mulher sabe tudo sobre os cuidados das crianças. Será verdade?

Eu penso que muitas mulheres foram socializadas desde muito pequenas para serem cuidadoras da família. De tal forma que para algumas mulheres, esse papel parece natural, e, se esquecem que quase tudo que elas fazem para cuidar de suas crianças foi aprendido. A única coisa nos cuidados das crianças que os homens não podem fazer, por muito que queiram, é amamentar. Tudo o resto, estamos ambos mulheres e homens em condições de aprender a fazer impecavelmente.

Papa alimentando a Siyanda
O papa alimentando a Siyanda

Penso que é importante nos lembrarmos disto se quisermos que os nossos parceiros se envolvam no cuidado das crianças deste que elas são pequenas, não só quando são um pouco grandinhas e podem levar para passear (mas claro depois de a mulher ter dado banho, vestido e preparado o lanche). Porquê importa envolve-los? Por muitos motivos, entre eles:

  • Aliviará o peso do trabalho e da responsabilidade nos cuidados das crianças, que na nossa sociedade recai sobre as mulheres.
  • É beneficioso para os homens também. A conexão emocional que irão estabelecer com as crianças por cuidar delas, jamais a poderiam obter de outra forma. E assim, terão a oportunidade de transmitir directamente os valores nos quais acreditam para as suas crianças;
  • É fantástico para as crianças, que podem ter referências positivas de diferentes formas de ser, de pensar e de fazer, abrindo a mente delas desde pequenas.
Será que se pode?
A comidinha da mão da tia Lika sabe melhor

Na nossa família, o meu companheiro e eu partilhamos todas as actividades do cuidado (apesar de eu ainda fazer mais que ele, mas esse é outro assunto). A única coisa que ele não faz, é dar de mamar, apesar de que houve uma época em que a nossa filha adormecia na mama dele, simulando que estava a mamar. (Mas acho que os pelos nos mamilos lhe deviam confundir e essa prática não durou muito tempo). Porém, devo confessar que no início da nossa vida como mãe e pai, tive reacções como se lhe estivesse a dizer que a maneira dele de fazer as coisas não fosse certa. Felizmente, ele se resistiu e eu voltei à razão.

Porque acho que o que importa realmente é o fim, o que queremos alcançar com esta opção de vida. O meio neste caso é o de menos, se não vai matar a criança, claro. O nosso filho começou a 2 meses a comer papas e purés, quando o pai dá de comer, o babete não é suficiente para evitar o banho de comida. O menino precisa lavar a cara depois de comer e o pai de mudar de roupa. Mas na verdade o que importa é que ele coma e não se suja mais ou menos. As combinações de roupa que ele escolhe quando veste as crianças são muito diferentes das minhas e as vezes olho para elas e digo, ‘OK! Viva a diversidade!’ Mas não importa, o importante é elas estarem limpas e vestidas adequadamente para o clima. Quando ele faz papinha para a criançada a papa dele é mais líquida que a minha. Mas as crianças comem na mesma. Praticamente, tudo o que ele faz para os cuidados das nossas crianças, faz de forma diferente de mim. E, não tinha como ser de outra forma, somos pessoas diferentes.

O que fazer então?

Portanto, penso que para nós mulheres, sobretudo as que foram socializadas a pensar que podem fazer melhor que os homens, se quisermos envolver os homens nos cuidados das crianças, é importante observarmos o seguinte:

  1. Estar consciente de que como mulher não temos nenhuma habilidade inata de cuidar, nós aprendemos e muito desse aprendizado vem com a prática.
  2. Reconhecer que o parceiro (ou parceira) faz as coisas de forma diferente, mas isso não significa nem tão pouco estar errado. É simplesmente diferente!
  3. Aprender a observar sem julgar. Quando ele estiver a dar banho, a mudar a fralda, a cozinhar, a dar de comer, etc. de forma diferente, se não puser em perigo a vida da criança, é importante não dar palpites e apenas observar e reconhecer que há outras maneiras de fazer.
  4. Definir o que é mais importante na actividade em questão e centrar-se nisso. O resto são cantigas. Por exemplo, se o que importa é que a criança coma, se o parceiro estiver a alimentar de uma forma diferente e a criança estiver a comer, será que faz sentido implicar com o como?
  5. Aplicar todos os pontos acima desde que a/o bebé chega à casa, desde o início da vossa relação como progenitores/as. Apesar de nunca ser tarde para se introduzir melhorias num relacionamento, as vezes podemos criar padrões difíceis de mudar e que podem afectar negativamente o relacionamento.

Se calhar quando a/o bebé acaba de nascer, estamos tão apaixonadas pela coisinha que queremos fazer tudo sozinhas. E, isso é totalmente compreensível mas se calhar o pai/companheiro também tenha o mesmo desejo e se calhar não é má ideia dar espaço para isso (ou incentivar se o desejo estiver adormecido). Por outro lado, alguns homens podem se escudar atrás da crença de que as mulheres é que são melhores cuidadoras das crianças para não participarem nas tarefas dos cuidados. E, a meio-longo prazo, essa atitude pode ser pesada para o relacionamento. Se a mulher tem que cuidar das crianças (e quem cuida ou já cuidou de crianças sabe que isso é um trabalho a tempo inteiro), da casa (e/ou gerir a empregada), trabalhar fora de casa (ou produzir dinheiro) e ainda ter tempo para ‘estar bonita’ e ter vontade de fazer sexo… uffff …. estamos a falar de super mulheres. E, elas existem sim, mas duvido que sejam sustentáveis, as sequelas dessa vida como super mulher são grandes– cansaço crónico, envelhecimento precoce, doenças evitáveis, tristeza, solidão, etc.

Adormecendo no colo do tio B

Em minha opinião, há muitas mais vantagens para toda a família fazendo o esforço que garante que os homens participem em igual medida que as mulheres nos cuidados das crianças. E como essa participação raramente acontece naturalmente, é necessário estarmos conscientes de que é preciso mover os pauzinho para que isso aconteça.

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