Durante alguns anos da minha adolescência eu gostei de tricotar, uma actividade que acho bastante relaxante, e consiste no entrelaçamento de fios de forma organizada e, produz peças muito bem vindas no inverno como cachecóis, gorros, camisolas, luvas…
Na minha experiência, a maternidade muda a relação com o parceiro (não sei como será nas relações homossexuais) porque nós mudamos, porque há um novo centro da atenção, porque as responsabilidades na casa e fora dela aumentam, porque dormimos menos horas e por muitos outros motivos. E, nos primeiros meses da chegada da criatura esperada se dedicam (de forma consciente ou não) muitos esforços para conciliar o que era o sonho individual, os sonhos conjuntos, as expectativas e a realidade.
Este processo de adaptação, que temo continuará para o resto das nossas vidas, me faz lembrar o tricotar por 3 motivos.
- Se estávamos satisfeitas com o nosso relacionamento antes da gravidez, provavelmente procuramos voltar à aquele ponto da relação, dos sentimentos. Mas nos encontramos numa situação nova, estamos física e emocionalmente diferentes; temos necessidades diferentes (dormir sem interrupção pelo menos 1 noite a semana por exemplo); temos expectativas no nosso parceiro e ele em nós sobre como devemos cuidar da criança quem é responsável por o quê. E, por muita conversa que se possa ter antes do nascimento da criança, na hora H descobrimos que afinal ainda não conversamos nem sobre 20% de nossas expectativas. Aí é importante encontrar o ponto tricô, precisamos entrelaçar os fios de forma que o cachecol saia ao agrado dos dois lados. É uma negociação constante, sobre sentimentos, papeis, medos, as vezes cansativa, mas sem a qual o cachecol não sai e acabamos atirando uma das agulhas para o lixo. Exige bastante concentração.
- Tricotar num espaço onde gostas, arrumando, escutando Nina Simone e não choro de bebé, é relaxante. É fácil envolver o parceiro quando tudo está calminho, mas quando a bebé chora muito, quando tem cólicas, quando não consegue mamar, quando as coisas não correm como esperávamos e saem do roteiro, tudo se complica. Como manter a calma, não se estressar e sobretudo como partilhar esses momentos com o parceiro?
- Um dos prazeres do tricotar é usar a peça que fizemos com tanto prazer. A mim dava-me uma sensação de aconchego, de segurança e fartura. Quando a minha bebé era mais pequena eu adorava colocar ela a dormir no meu peito e, ela cabia praticamente entre o meu peito e umbigo e o peso, respiração, cheiro dela, tão próximo me fazia sentir que eu lhe dava a sensação de aconchego e segurança que ela tinha no útero. Mas, também me fez sentir falta, senti uma sensação de abandono, de não ter quem me protegesse. Se calhar me senti sobrecarregada – iria conseguir manter esse sentimento na minha filha e, como fazer para me lembrar que sou suficiente, que tenho dentro de mim tudo o que preciso para sentir aconchego, fartura, segurança e felicidade?
Só agora consegui perceber as pessoas que contam que se separaram quando a criança ou crianças nasceram. Há muita pressão de ambos lados e ninguém nos prepara para ela.
ELA tem que gerir a sobrecarga de hormonas, a necessidade de energias extras do seu corpo para produzir leite (se tiver optado por amamentar), o cansaço, a falta de sono, atenção ao parceiro e inclui-lo nos cuidados, os cuidados físicos e emocionais da bebé….. ELE tem que gerir a concorrência pela atenção, a falta de tempo suficiente com a criança se não tem licença de paternidade, a falta de sono…
Esta pressão é pior quando uma das partes é que fica com a maioria das responsabilidades de cuidados da bebé. Provavelmente isto não aconteça em casais onde ambos pensam que a principal responsável pelos cuidados da criança é a mulher.
Porém, nos casos em que o casal tem expectativa de que ambos cuidarão da criança em regime de 50/50, não se trata de quem tem razão, se não de encontrar o ponto tricô. Reconhecendo que as necessidades de ambos são importantes (as agulhas do tricô têm o mesmo tamanho) e que é responsabilidade de ambos cuidar da criança em todos os aspectos. A única coisa que o homem não poderá fazer é amamentar, mas havendo a possibilidade, pode-se bombear leite e o homem pode também alimentar a criança através o biberão (se a criança toma leite de formula o homem pode alimentar a criança desde que inicie esta alimentação).
Não tenho a solução mágica para se encontrar o ponto tricô só sei que pelo bem da relação e pela saúde mental das pessoas envolvidas, é importante encontra-lo. Alguns aspectos que tenho usado na constante busca do ponto tricô incluem:
- Estar consciente de que o ponto tricô se consegue quando se fazem esforços conscientes para tal, não acontece sozinho. As duas partes devem pôr muito de si comunicando-se claramente, colocando-se no lugar d@ outr@, sendo persistente e sobretudo sendo fiel aos compromissos assumidos junt@s.
- Conversar constantemente sobre as expectativas que temos uma no outro, sobretudo quando não nos identificamos com elas. Por exemplo se o parceiro acha que mudar fralda é trabalho de mulher e a mulher não concorda, é importante descascar esta expectativa e continuar a reflexão sobre o que significa ter a criança juntos.
- As vezes, infelizmente é necessário ‘devolver com a mesma moeda’ para evidenciar certos comportamentos que não nos permitem chegar ao ponto tricô. Por exemplo, se combinamos que depois de mudar a fralda a pessoa que mudou vai deitar a fralda no lixo e uma das partes as vezes muda a fralda e a atira no chão, é importante não apanhar essa fralda e lembrar a outra parte do acordo. Não importa se de repente há 3 fraldas espalhadas por aí ou se aparecem visitas. O acordo deve ser mantido por ambas partes. Caso contrario, é possível que acabes tendo um bebé e uma criança (adulta) em casa, e aí as linhas de tricô rebentam.
- Questionar constantemente se te identificas com o aprendizado que recebeste da sociedade sobre o que significa ser mulher (ou homem) – se essas mensagens são verdadeiras para ti. Por exemplo, se concordas com o teu parceiro em ser ele a levar a criança à vacina para tu aproveitares dormir um pouco e recuperar o sono perdido na noite anterior, será que isso te torna menos mulher? Somos mais mulheres se nos sacrificamos mais que os pais das crianças? É difícil encontrar o ponto tricô se fazemos as coisas para agradar outras pessoas, é importante ser fiel a nós mesmas, ao que decidimos que somos.