Carta 9: O teu filho preferido

25 de Setembro de 2020

Querido Cossa,

Na sabedoria popular diz-se que os pais e mães não têm filhxs favoritos e que amam a todxs filhsx da mesma forma. Eu me distancio um pouco desta visão, acredito que pais e mães amam a todxs os seus filhxs, mas que esse amor manifesta-se de forma diferente para cada filho ou filha por dois motivos muito simples: 

  1. Cada criança é um ser soberano, com gostos, preferencias próprias, maneiras de gerir os sentimentos e de interagir connosco também diferentes. O que significa que nós também interagimos com elas de maneiras diferentes e nem sempre das maneiras que preferimos.
  2. A forma de ser diferente de cada uma das crianças, mexe connosco como pais e mães de forma diferente. Se calhar somos mais reactivos com as crianças que são mais diferentes de nós e nos desafiam mais. E, se calhar com aquelas crianças que são mais parecidas connosco e nos oferecem menos resistencia, o nosso relacionamento flui mais. 

Mas, acho que mesmo assim, é nossa responsabilidade como pais e mães dar o mesmo grau de atenção às crianças para permitir-nos responder às necessidades individuais de cada uma delas. E, quando dás 80% da tua atenção à um dos teus filhxs, e 20% aos restantes filhxs e a mim, acho que temos um problema.

Está mais que claro que tens um filho preferido, tu queres fazer todas as coisas com ele, ir à todos os lados com ele, é com quem primeiro te comunicas ao acordar e com quem por último te comunicas antes de ir dormir. Quando está toda familia sentada à mesa, estás sempre pendente do que ele tem para dizer, se saímos para passear e comer um sorvete, estás só fisicamente com o resto da familia, a tua mente e corpo estão concentradxs apenas neste filho, no que ele tem para dizer, sem importar se ele interrompe quando os outros membros da familia estão a falar contigo.

E, não digo que lhe tenhas que dar menos amor, porém penso que tens que encontrar a maneira de partilhar o tempo com as outras crianças que também gostariam de ter um pouco da tua atenção. Quando e como é que vais: 

  • Conhecer a essência das outras crianças – quem elas são para além do corpo no qual vivem?
  • Conectar com elas, se a tua mente, corpo e se calhar a alma, estão pendentes das demandas de atenção do teu filho preferido? 
  • Poder decifrar os sentimentos que as outras crianças tentam transmitir escondidas por trás das birras?
  • Aprender as lições que elas vieram nos ensinar por nos terem escolhido como mãe e pai?
  • Só estar no momento e viver as coisas deste presente – que passa tão rápido?

Penso que não tens que amar menos ao teu filho preferido, mas acho que mostrar essa preferencia nos momentos que deveriam ser tempo de familia, está a descuidar os outros filhos e a mim.  E, a verdade é que a concorrência é desleal porque, por um lado, tu tens uma dependência muito forte da tua relação com o teu filho preferido. E, por outro lado, o que este filho te oferece, nenhum dos outros o poderia fazer, mesmo querendo – noticias live, luzes azuis, informação, imagens, cursos, etc.

A tua relação com o teu telefone celular é toxica e está a fazer-te perder oportunidades de conectar com os teus filhxs desde a vulnerabilidade, de conhecer-lhes e permitir que eles também te conheçam e de desfrutar desta fase da vida delas que daqui a nada passa. 

Queria sugerir que procurasses desintoxicar-te de imediato do teu telefone, estabeleça limites claros que te permitirão dividir a atenção não só em função do que precisas mas também do quanto os teus filhxs te precisam emocionalmente. Essa forma de estar e de relacionar-te com os teus filhxs e por extensão comigo, deixando-nos em segundo plano, para quando o teu filho preferido não está a exigir atenção não é nem saudável, nem sustentável. Tarde ou cedo ela pode estoirar e provocar situações que podem ser evitadas.

Desejo do fundo do meu coração que reflictas sobre isto e que comeces a dar passos pequenos para a tua desintoxicação do telefone celular.

Com amor,

Eu